23 maio, 2014

Agricultores e agricultoras conhecem técnicas e trocam experiências de convivência com o semiárido


Mandala,na propriedade de Seu Eduardo
O sol nem tinha raiado. Estava nas primeiras horas do dia. Os orvalhos típicos de inicio de inverno da Bahia já faziam presentes nos galhos das árvores. Mas nem o frio, ou outros empecilhos, impediram os 45 agricultores e agricultoras a saírem das suas casas, a deixarem o plantio pela responsabilidade de outro membro da família, com apenas um desejo: em busca de novas experiências e novas descobertas que facilitem a vida no semiárido.
O intercambio municipal é uma das ações existentes dentro do Programa Uma Terra Duas Águas, desenvolvido pela Articulação no Semiárido Brasileiro - ASA, financiado pelo BNDES e executado pela Apaeb Serrinha, este prevê a troca de experiências e saberes entre agricultores (a).
Por volta das 5h da manhã da última terça-feira (21), agricultores e agricultoras dos municípios de Nordestina, Queimadas e Cansanção partiram em busca de novas descobertas e trocas de saberes. Os destinos eram as propriedades de Seu Eduardo Emídio,em Barreiros-Riachão do Jacuipe e de Seu Abelmanto na comunidade de Mucambo,também em Riachão.

As expectativas eram muitas. A ansiedade maior ainda. A cada quilometro percorrido, as mesmas perguntas se repetiam: já chegou?É aqui?Falta muito? Ansiedade que só foi sanada quando foram recebidos com um sorriso largo por seu Eduardo Emídio, agricultor que desenvolve o Projeto Produzir e Preservar. O projeto surgiu há 14 anos com o objetivo de criar alternativas para se conviver no semiárido e transformar a visão distorcida que a mídia tem sobre este clima,como ressalta seu Eduardo: ‘’ nasceu a necessidade de desenvolver este projeto para mostrar que esta visão pode ser transformada,ou melhor,que podemos conviver neste clima e  que tem pessoas aqui que vivem dignamente’’.
Agricultora colhendo o capim
A propriedade de Seu Eduardo tem 52 tarefas bem aproveitadas e cheia de alternativas para se conviver com o semiárido, praticamente autossuficiente, nela seu Eduardo desenvolve técnicas que utilizam pouca água, além de desenvolver diversas experiências tanto em plantios como na criação de caprinos e ovinos.  Experimentador nato, seu Eduardo começou a visita apresentando para os também agricultores (a) seu barreiro-trincheira, umas das alternativas de driblar a longa estiagem e também onde tem um criatório de peixes. A tecnologia barreiro trincheira já não era novidade para muitos ali presentes, mas seu uso talvez fosse. Ao longo das explicações de Eduardo se ouvia várias perguntas, curiosidades e também sugestões e experiências já desenvolvidas em repressas de alguns presentes. Com a água do Barreiro, de uma cisterna-calçadão e de uma barragem subterrânea, possibilita a Eduardo a criação de animais como também para regar diversas árvores frutíferas presentes na sua propriedade, foi neste momento da apresentação destas árvores que a troca, a curiosidade começou a se fazer presente.
Agricultores(a)com mudas do viveiro de Seu Abel
‘’Produzo qualquer tipo de fruta em qualquer tempo do ano’’, frase dita por Eduardo, despertou curiosidade e logo surgiram as perguntas.
De um lado, se ouvia: qual a planta? Como você consegue? Na medida em que seu Eduardo passava seus resultados positivos, surgiam por parte dos agricultores e agricultoras experiências que já tinham realizados, como a enxertagem,porém de formas diferentes, e adubos orgânicos,como a compostagem e quais os mais específicos para algumas determinadas tipos de plantas,solo, e outra técnica que todos presentes mencionaram que iam desenvolver nas propriedades deles,o biofertilizante.
De repente um circulo cheio de plantas, galinhas, peixes, despertou a curiosidade, boa parte não sabiam do que se tratava,mas já mostravam interesse em ter um igual. Este círculo no centro da propriedade de Seu Eduardo se tratava de uma mandala, técnica que respeita a agricultura ecológica, onde quanto maior a diversidade de plantas, ou animais como o caso da do seu Eduardo, maior o equilíbrio ambiental e menor o índice de pragas e a necessidade de intervenção. Como muitos já diziam que desejavam fazer uma igual, como foi o caso do agricultor de Nordestina,Alberto Carneiro: ‘’Vou fazer uma. É bem melhor do que fazer apenas uma horta". Após as declarações de contemplação,Eduardo passou para o grupo que antes de tudo é preciso se observar o que dá e o que não dá em cada  região e que tem que se atentar aos diferentes tipos de plantas,pois há plantas companheiras e outras que não se toleram", 
Seu José alimentando as cabras de seu Eduardo

Os agricultores e agricultores puderam ainda trocar conhecimentos a cerca da criação de caprinos e ovinos que o seu Eduardo tem na propriedade, inclusive ele tem em seu rebanho a  2º recordista baiana de leite de cabra. Perguntado sobre a alimentação do seu rebanho, se tinha algo a mais, seu Eduardo com sorriso no rosto respondeu: ‘’se alimentam com culturas da caatinga, nossa caatinga é rica, faço recaatingamento – SEM CAATINGA NÃO SE PRODUZ’’.
Apesar do cansaço visível no olhar, de ter passado o dia todo ao sol, não se davam por satisfeitos, quem pensa que iria faltar gás para o segundo dia de intercambio se enganou. Dona Josefa, de 68 anos,da comunidade de Várzea comprida,em Queimadas, disse que ainda tinha gás e que esperava aprender muito ainda.
‘’a gente cansa, mas vale a pena. Aprendi muito hoje e amanhã tenho certeza que vou aprender muito mais’’, com alegria disse Dona Josefa.
No dia seguinte (22) a comitiva (assim chamados por eles no interior do ônibus) seguiu cedo para a propriedade do Seu Abel Manto, conhecido como agricultor experimentador, e criador do Projeto Ecológico Vida do Solo, o projeto este, que visa à convivência com o semiárido de forma digna e produtiva e sustentável, através de técnicas que possibilitem ao agricultor familiar a ser autossustentável.
Atentos as explicações de seu Abel
Por volta das 8h da manhã, os agricultores e agricultoras já chamavam por Abel na cancela da propriedade dele. Com um carisma singular e cheio de alegria Abel e sua esposa Jacira deram as boas vindas e já dentaram propriedade adentro. Assim como Eduardo, porém pioneiro, Abel desenvolve em sua propriedade um apanhado de técnicas para  conviver no semiárido, muitas delas, ou melhor, a maior parte delas desenvolvidas por ele. Inventor, experimentador, esses são um dos adjetivos comuns associados ao nosso agricultor. Para Abel, a vida do sertanejo é: acreditar, buscar, construir e transformar, por esta ótica Abel deu a largada para as possíveis descobertas e trocas.
Logo nos primeiros passos dados, viam se que a propriedade de seu Abel é autossuficiente se tratando de água, como declarou o próprio Abel. Com duas cisternas de produção, um barreiro, uma barragem subterrânea e diversas barragens sucessivas seu Abel disponibiliza de uma diversidade de arvores frutíferas, que logo despertou o interesse dos agricultores (a). A maioria queria saber se era possível que essas mesmas árvores se adaptariam na região deles, e qual o processo desde a muda, ou até mesmo ao enxertamento até dá o fruto. Na medida em que seu Abel ia respondendo, alguns deles falavam como fazia na propriedade deles, como foi o caso do seu José Pereira, que apesar da idade avançada, diz que ainda tem muito a aprender, mas em poucos minutos que falou, muito ensinou.
Enraizamento por caule
Seu José compartilhou sua experiência no plantio de capim, e ainda nos falou da importância das sementes crioulas.
‘’não é a mesma que compramos, a da roça temos certeza que nasce’’.
Os agricultores puderam conhecer infinitas técnicas desenvolvidas por Abel, como o sistema de gotejamento implantado por ele, indução ao enraizamento no caule das árvores, bebedouros inteligentes, vários tipos de irrigações alternativas, entre outros.
Acostumados a plantar palmas, a qual é uma alternativa para driblar o período de seca alimentando os animais, os agricultores puderam ver diferentes formas de plantio desta cultura, como a curva de nível que é uma estratégia de maior captação de água e evitar erosão no solo entre outros benefícios.
A visita não era apenas para trocar saberes, conhecer novas experiências, muitos deles colocaram a ‘’mão na massa’’. Tudo começou quando seu Abel apresentou uma motocultivadora, aparelho de pequeno porte utilizado para arar terra. Todos queriam experimentar, foi uma festa só.
Agricultor feliz,testando a motocultivadora
Muita coisa foi apresentada, como o biodigestor, utilizado como fonte de captação de gás. Mas muitas coisas também já eram desenvolviam nas propriedades, principalmente se tratando de plantio, pois este a maioria detém um conhecimento amplo.
‘’algumas coisas eu já fazia. Mas conhecia muito a teoria. A prática bem pouca. Algum sistema de irrigação, por exemplo, já fazia. Mas to aprendendo e trocando muita coisa’,relatou seu Juvenal,do município de Queimadas.
Seu Abel apresentou ainda um Viveiro de Mudas, os agricultores não só conheceram algumas culturas que não são típicas da região deles, como também puderam levar para casa algumas para experimentar, pois como disse o coordenador do projeto Moisés Inácio, todo agricultor deve ser antes um experimentador.
Adicionar legenda
Depois de um almoço servido com ingredientes proveniente da agricultura familiar, e a exposição e venda de produtos artesanais feitos pelo grupo de produção Mulheres de Mucambo,os quais muitos levaram de lembranças,todos e todas seguiram com uma bagagem repleta de conhecimento e com a missão de disseminar por onde passar.