01 julho, 2014

“Todo poder emana do povo”


Por Fernanda Cruz - Asacom
Com colaboração de Daiane Almeida, comunicadora popular da ASA/APAEB

Para a ASA a ampliação e consolidação dos espaços de participação social fortalecem a política de convivência com o Semiárido.
Nesses 15 anos de trajetória, a experiência da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) demonstra o quanto a participação e o controle social podem ser determinantes para a consolidação e o fortalecimento das políticas públicas. O Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC) é um exemplo disso. A própria lógica de funcionamento do Programa começa da base, a partir das comissões municipais, formadas apenas por representantes de organizações sociais que atuam localmente e têm legitimidade para representar as famílias que serão beneficiadas pelo Programa.

Foi a sociedade civil, através dessa mobilização e organização política das comunidades rurais do Semiárido, quem denunciou ao mundo que as políticas de acesso à água até então existentes no Semiárido, centradas no assistencialismo e na lógica do combate à seca, não atendiam à população; e anunciou novas possibilidades a partir da perspectiva da convivência com a região, tendo como ponto de partida pequenas e descentralizadas obras: as cisternas de placas. 


“A história da ASA é de participação e de construção de políticas a partir da sua prática, da sistematização dos seus processos, da articulação das suas organizações. Aliado à isso, ocupamos espaços onde se abria a perspectiva de anunciar nossa proposta e debatermos sobre a convivência com o Semiárido. Por isso que integramos conselhos e outros espaços de participação e controle social, seja na esfera municipal, regional, estadual ou federal”, diz Naidison Baptista, coordenador executivo da Articulação.

A participação popular é um elemento previsto na Constituição Federal de 1988, que definiu o Brasil como um Estado Democrático de Direito. De acordo com o parágrafo único do Artigo 1º da Constituição, o poder e a responsabilidade cívica podem ser exercidos por todos os cidadãos e cidadãs. “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

Embora a Constituição já tenha quase 30 anos, a participação social foi instituída como política de Estado pela Presidência da República apenas no último mês de maio, através do Decreto 8.243/2014. Segundo o Diretor de Participação Social da Secretaria-Geral da Presidência da República, Pedro Pontual, o decreto orienta todas as áreas do governo federal a levar em consideração a participação social nos programas e nas políticas, através dos diversos mecanismos, instâncias, formas de diálogos e consulta disponíveis.  


“Temos a convicção de que os programas e as políticas públicas saem com muito mais qualidade e sintonia com a vida do povo brasileiro quando há a participação social nos mesmos, em todas as suas etapas: desde a sua elaboração, até a implementação, monitoramento e avaliação”, explica Pedro Pontual.


Para a ASA, o Decreto só vem contribuir e reforçar a importância dessas instâncias para um bom exercício do poder político. “Ele [o Decreto] se soma, ele colabora, ele reforça a perspectiva de que os poderes possam, de fato, representar cada vez mais os anseios e pontos de vista da população, porque por mais que um deputado, ou dois, ou três, representem nossas perspectivas, eles não são ambivalentes o suficiente, nunca o serão, para saber o que pensam os índios, os quilombolas, uma comunidade de terreiro, os pescadores artesanais, o povo do Semiárido, nem o que pensam os povos do Sul do País. Então, quando eles se abrem para a perspectiva de receber as sugestões, os debates, as críticas, as questões que são levadas pelas instâncias de participação da população na elaboração das políticas, eles não estão perdendo o poder, eles estão exercendo o poder que lhes foi conferido de modo mais qualitativo, com mais segurança”, refletiu Baptista.


Pedro Pontual lembra que políticas como o Sistema Único de Saúde (SUS), o Bolsa Família, o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), são frutos dos processos das instâncias de participação da sociedade, como as mesas de diálogo, as audiências e consultas públicas, ouvidorias, conselhos e conferências. “Não queremos aumentar o controle do estado sobre a sociedade. O nosso objetivo é exatamente o contrário. Portanto estamos falando de uma concepção ampliada de democracia, com a participação direta do cidadão para se somar aos mecanismos tradicionais da democracia representativa”. 


Apesar de fazer referência à administração pública federal, a PNPS também tem um rebatimento nos estados e municípios, através do Compromisso Nacional para Participação Social, cuja construção foi coletiva, com a participação de, pelo menos, 20 secretários estaduais. Até o momento 11 estados, entre eles quatro do Semiárido - Alagoas, Bahia, Ceará e Paraíba -  se comprometeram em implementar a PNPS. “Isso significa que esses estados terão 120 dias para elaborar um plano de trabalho de cinco anos, visando o fortalecimento da participação social”, disse o Diretor de Participação Social da Secretaria Geral da Presidência da República.  


Municipalizar e estadualizar a política aproxima ainda mais sociedade e governo. Tereza Rocha, agricultora familiar, moradora do município de Serrinha (BA) e uma das lideranças da APAEB –organização que integra a ASA – participa de alguns espaços considerados por ela como essenciais: a Comissão Executiva Municipal de Recursos Hídricos, o Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável (CMDRS) e o Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea). 


“Eu acho os espaços de participação social como conselhos, comissões, e tantos outros muito interessantes e importantes, porque ajudam na formação das pessoas para atuarem conjuntamente com o poder público na construção de políticas públicas. Quando existe diálogo entre sociedade civil e poder público temos possibilidade de definir políticas públicas que venham favorecer a melhoria da renda das famílias. Esses espaços sociais também contribuem bastante na execução, fiscalização e avaliação dessas políticas. A partir deles podemos cobrar as decisões. A participação social contribui para o controle das políticas públicas”, afirma Tereza Rocha.


O acompanhamento da Política Nacional de Participação Social será feito pelo Comitê Governamental de Participação Social (CGPS), que deverá ser composto de forma paritária, com 10 integrantes da sociedade civil e 10 integrantes governamentais. A formação desse grupo ainda está sendo discutida entre o governo e representantes da sociedade civil. 


Participação Virtual – Apontada como uma das principais inovações da Política Nacional de Participação Social (PNPS), os mecanismos virtuais de participação social visam fortalecer e ampliar as possibilidades de consulta. 


Para isso, a Secretaria-Geral da Presidência da República criou o portal interativo www.participa.br, ainda no ano passado, onde a sociedade pode participar de consultas temáticas em andamento, propor novos temas para debate e ainda contribuir na mobilização de outras pessoas através das redes sociais. A ferramenta também permite que sejam criadas etapas preparatórias às conferências presenciais.


Segundo Pedro Pontual, o espaço permite a participação dos atores sociais já habituados a participar das consultas, conselhos, conferências presenciais, bem como de todo cidadão que deseja participar, mesmo que de forma individual, sem estar articulado em algum grupo. Vale ressaltar que não há oposição entre a participação digital e presencial, uma vez que eles se constituem como mecanismos complementares.


Ameaça – A Câmara dos Deputados se mobilizou para votar, em regime de urgência, o Decreto Legislativo 1.491/2014 que anularia o Decreto Presidencial 8.243/2014. A previsão é que a votação ocorra ainda nesta semana. Caso seja aprovado, o Decreto Legislativo anula a Política Nacional de Participação Social (PNPS).


Segundo o Diretor de Participação Social da Secretaria-Geral da Presidência da República, Pedro Pontual, a PNPS não se caracteriza como uma ameaça ao Poder Legislativo, uma vez que institui, organiza e amplia os espaços de participação e controle social. “Ele [o Decreto] não tem o objetivo de esvaziar o Poder Legislativo. Para nós, a democracia representativa e a participativa devem constituir uma relação de soma e não de oposição”, ressalta.

A ASA, bem como outras organizações se pronunciaram em apoio à PNPS, através de cartas, manifestos e notas públicas.
Nota Pública da ASA em apoio à PNPS
Carta Aberta em apoio à PNPS
Manifesto dos Juristas e Acadêmicos em apoio à PNPS